É INCABÍVEL OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS CONTRA DECISÃO QUE INADMITE RECURSO ESPECIAL NA ORIGEM?
Imagine-se um REsp interposto com múltiplos fundamentos, por exemplo, alegando que o acórdão recorrido violou os arts. 1022, II, 487, do CPC e 488 do CC/2002.
É dever da Presidência ou da Vice-presidência do Tribunal local, em sede de juízo provisório de admissibilidade, analisar todos os fundamentos alegados pelo recorrente no recurso especial, uma vez que, nos termos do art. 489, § 2o, IV, do CPC: não se considera fundamentada qualquer decisão judicial que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador, e, nos termos do art. 1.034 do CPC: a admissão do recurso por um fundamento devolve ao tribunal superior o conhecimento dos demais fundamentos para a solução do capítulo impugnado.
Se o REsp fosse admitido não seria necessária a análise de todos os fundamentos do recorrente. Todavia, a mesma lógica não se aplica quando o REsp não é admitido.
Tendo o Tribunal local inadmitido do REsp apenas analisando um desses fundamentos, são oponíveis embargos declaratórios para sanar a omissão no juízo provisório de admissibilidade?
Em recente precedente, julgado em 08.02.2022, a 6a Turma do STJ reafirmou o entendimento da Corte de que os embargos de declaração opostos contra decisão de admissibilidade do recurso especial, uma vez que manifestamente incabíveis, não interrompem o prazo para interposição de outros recursos (AgRg no AREsp
1.913.610/SC, AgRg no AREsp 1.411.482/SP, AgRg no AREsp 1.249.989/DF e AgRg no AREsp 715.587/PR).
O julgado fez-me relembrar os tempos de assessoria jurídica no TJRS, nos idos de 2001, em que muito se discutia o cabimento ou não de embargos declaratórios contra decisão monocrática de 2o grau, sob o argumento de que o art. 535 do CPC/1973 só previa a interposição de declaratórios contra omissão, contradição ou obscuridade contida em sentença ou acórdão — nunca em decisão monocrática de 2a instância (Embargos de Declaração, No 70002630473, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Matilde Chabar Maia, Julgado em: 28. 06.2001).
Já naquela época, autorizados processualistas refutavam esse entendimento restritivo, defendendo o cabimento de embargos declaratórios contra qualquer decisão.
Entendimento com o qual sempre fiz coro.
Acabou prevalecendo os tribunais pátrios o entendimento não restritivo, sob o argumento de que a interpretação meramente literal do art. 535 do CPC/1973 atritou com a sistemática que deriva do próprio ordenamento processual, notadamente após ter sido erigido em nível constitucional o princípio da motivação das decisões judiciais.
Passados mais de 20 anos, parece que se voltou ao entendimento restritivo e, diga-se de passagem, não autorizado pelo CPC/2015, que é claríssimo ao afirmar: “Art. 1.022.
Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial...” (sic).
Questiona-se: O que tornaria a decisão que inadmite REsp diferente que “qualquer decisão judicial”, a ponto de justificar o entendimento do STJ no sentido de que é
manifestamente incabível esse recurso?
O mais estarrecedor é que, da análise dos precedentes sobre o tema, verifica-se que o STJ — sem explicar a respectiva motivação — apenas afirma, de forma impositiva, que os embargos declaratórios opostos contra decisão de inadmissibilidade do REsp é manifestamente incabível e, de conseguinte, não interrompe o prazo para do AREsp.
Todavia, uma pesquisa mais aprofundada na jurisprudência do STJ revela que, ainda na vigência do CPC/1973 (que tinha redação geradora de polêmica), em sede de Embargos de Divergência, a Corte Especial já decidiu que, excepcionalmente, são cabíveis embargos declaratórios contra decisão de inadmissibilidade do REsp desde que a decisão do Tribunal local seja tão genérica que sequer permita a interposição de AREsp (ED em AREsp 275.615/SP, rel. Min. ARI PARGENDLER, DJe: 24.03.2014).
No caso analisado pelo STJ nos Embargos de Divergência, o Tribunal local havia negado seguimento ao REsp sob o argumento de que o acórdão se assentou em mais de um fundamento, não tendo o recurso abrangido todos eles. Todavia, como muito bem pontuado pelo Ministro Relator, deviam ser admitidos os embargos declaratórios porque a decisão não explicitou quais fundamentos não teriam sido impugnados pelo recorrente no REsp.
No voto-vista, proferido pelo Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, após consignar que o voto do relator vai de encontro à jurisprudência dominante no STJ, ressaltou que “há certas situações excepcionalíssimas em que negar à parte o direito de embargar de declaração seria o mesmo que cercear-lhe o direito de interpor o próprio recurso principal.”
E prossegue: “É o caso submetido a julgamento. A decisão que inadmitiu o recurso especial é tão genérica que não havia como dela recorrer sem antes obter esclarecimentos que permitissem ao embargante identificar seus fundamentos para, então, atacá-los”.
Portanto, a resposta à pergunta inicial, “É INCABÍVEL A OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS CONTRA DECISÃO QUE INADMITE RECURSO ESPECIAL NA ORIGEM?” é: depende! Como regra, não é cabível, mas já
se admitiam exceções.
Embora o entendimento restritivo do STJ, por certo, seja movido pela tentativa de coibir embargos declaratórios que vinculam matéria de AREsp ou que visam procrastinar o desfecho da causa, o fato é que a restrição não está autorizada no CPC/2015.
Todavia, qual é o advogado que arriscaria ter seu AREsp julgado intempestivo face à interposição de anteriores embargos declaratórios. Penso eu, não vale confiar na
excepcionalidade.
De conseguinte, entende-se que toda vez que a decisão de inadmissibilidade for omissa na análise de todos os fundamentos constantes do REsp, por coerência, o STJ deve conhecer e prover o AREsp.
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